quarta-feira, 12 de outubro de 2016

COLABORAÇÃO DE JAIR NGUNI: SOBRE O GENOCÍDIO DA JUVENTUDE NEGRA EM CAMPINA GRANDE

Jair Nguni
   "Genocídio da Juventude Negra em Campina Grande: cadê o Plano Municipal de Enfrentamento à Violência Contra Jovens Negros?

Segundo o Guia do Plano Juventude Viva do Governo Federal, os Centros de Iniciação ao Esporte fazem parte das ações sociais  do Plano Juventude Viva do Governo Federal, plano este, que deve ser voltado prioritariamente para o enfrentamento à violência contra a juventude negra, bem como para empoderar através de ações educativas, culturais e esportivas os moradores das periferias em situação de vulnerabilidade social.  O que é que tem a ver tudo isso com a juventude negra de nossa cidade?
 O leitor deste texto precisa saber que não foi por sensibilidade do Prefeito Romero Rodrigues que esse plano do Governo Federal veio para a nossa cidade. O município de Campina Grande aderiu ao Plano Juventude Viva em  setembro de 2013 pelo fato de nossa cidade ser uma das mais violentas do Brasil e do mundo. Teve que aderir, na verdade, por conta das  constantes pressões, lutas e cobranças do Movimento Negro de nossa cidade junto ao poder público local, já que jamais iríamos ficar calados diante dos dados absurdos e inaceitáveis do DATASUS do Ministério da Saúde em que a nossa cidade aparece vergonhosamente como a vigésima sexta onde se mata mais jovens negros, entre 15 e 29 anos de idade no Brasil. Para a Prefeitura municipal governada pelo PSDB, seria moralmente insustentável não aderir a esse plano. Assim sendo, vejo a vinda do Plano Juventude Viva para a nossa cidade como mais uma grande conquista política do Movimento Negro de Campina Grande nos seus mais de 29 anos de atuação contra o racismo e defesa da cidadania plena para a nossa população negra.
Não temos dúvidas, portanto, de que foram as inúmeras ações contra o racismo e combate permanente ao genocídio da juventude negra por meio de entrevistas na imprensa, de seminários e passeatas que fizeram com que a Prefeitura municipal pactuasse junto ao Governo Federal a vinda do Plano Juventude Viva. Ora, só no ano de 2012 houve em Campina Grande o Fórum de Lideranças Negras da Paraíba no qual debatemos amplamente com estudantes e professores no IFPB a realidade social da juventude negra. Depois desse importante evento realizado na época pela Malungos, tendo na frente da organização desse Fórum o senhor Carlos Henrique. Lembro-me que de forma pioneira e ousada fizemos na Avenida Floriano Peixoto uma bela passeata com capoeiristas e quilombolas, justamente para denunciar o genocídio da juventude negra no encerramento do Primeiro Seminário Agosto Para a Igualdade Racial ainda em 2012.
  A verdade tem que ser dita. O governo municipal do PSDB que não tem políticas públicas para combater o genocídio da juventude negra precisa ser denunciado junto ao Governo Federal. É que aqui na nossa Campina Grande, cidade governada pelo Prefeito Romero Rodrigues do PSDB está sendo construído o Parque da Liberdade para que os moradores de bairros como Quarenta, Rosa Cruz e Liberdade possam ter acesso ao lazer, esporte e, por conseguinte, a uma melhor qualidade de vida. Não sou contra a construção desse Parque da Liberdade para beneficiar os moradores da zona sul do nosso município. O que não aceito é saber que outros bairros de maioria negra e parda como Jeremias, Catingueira, Mutirão, bairro das Cidades, Araxá, Jardim Continental, Catolé de Zé Ferreira, Ramadinha e outros que fazem parte dos bairros e territórios considerados de grande vulnerabilidade social foram mais uma vez  esquecidos pelos gestores públicos. E isso contraria frontalmente todos os princípios e eixos sociais adotados pelo Plano Juventude Viva, visando à desconstrução dessa cultura de violência que atinge de maneira  contundente os jovens negros e pardos das periferias e centros urbanos do Brasil.
 
“O Plano Juventude Viva deverá atuar sobretudo  nos territórios que apresentam um histórico de elevados índices de homicídios de jovens negros.” Essas palavras podem ser lidas no Guia do plano em tela. O problema é que esse Parque da Liberdade que vai abrigar o Centro de Iniciação ao Esporte está sendo construído no quintal da classe média branca do Bairro da Liberdade, contrariando todas as  diretrizes do Plano Juventude Viva na gestão do  Prefeito tucano Romero Rodrigues. Portanto, o poder público municipal comete um grande crime administrativo ao levar o Centro de Iniciação ao Esporte para uma área central de nossa cidade. As periferias de Campina Grande, infelizmente, sempre ficam esquecidas pelos gestores públicos e isso faz com   que essa modernização racista e assimétrica continue perpetuando o genocídio da juventude negra e uma sociedade claramente injusta, profundamente racista e violenta do ponto de vista social e racial. Cadê o Conselho Municipal de Juventude dessa cidade? Cadê o Comitê Gestor do Plano Juventude Viva de Campina Grande, com a participação da  sociedade  civil? Cadê os Vereadores dessa cidade que não fiscalizam as obras públicas?
            O Movimento Negro de Campina Grande desde o ano de 2012 que vem alertando o poder público para a necessidade de enfrentarmos a violência que atinge de forma muito mais contundente a juventude negra nas periferias de nossa cidade. Entretanto, o atual governo municipal do PSDB mostra-se inteiramente arrogante e ainda fecha seus ouvidos para não ouvir e sentir as dores e sofrimentos dos jovens afrodescendentes moradores de bairros  desestruturados socialmente e com um histórico  de  altos índices de letalidade de jovens negros, entre 15 e 29 anos de idade. O bairro do Pedregal, por exemplo, é uma dessas comunidades de maioria negra e mestiça onde mortes de jovens são constantes. Sintomaticamente é nesse bairro onde não se tem academia popular, parque, quadra esportiva, teatro, museus, cinema, etc. A Prefeitura municipal na gestão do PSDB, infelizmente, não priorizou o bairro do Pedregal em suas ações sociais voltadas para o lazer, arte, cultura e esporte, até o término desse texto.
           Nesse bairro de Campina grande, considerado socialmente e geograficamente dentro do espaço urbano campinense, como um aglomerado subnormal, as oportunidades de trabalho, lazer e estudo sempre foram negadas e restritas historicamente para a maioria de seus jovens negros e pardos. Dentro dessa realidade social,  obviamente, existe uma clara e direta relação com os altos índices de letalidade de  jovens  nessa comunidade, pois só no ano de 2010 ocorreram 17 óbitos no bairro do Pedregal de jovens na sua maioria negros e pardos, entre 15 e 29 anos de idade, como podemos observar nos  dados do Núcleo de Análise Criminal e Estatística da Secretaria de Segurança Pública e da Defesa Social, órgão  ligado à estrutura do governo estadual da Paraíba.
           Ainda com base nos dados estatísticos sobre crimes violentos pesquisados por esse Núcleo de Análise Criminal e Estatística. A cidade de Campina Grande aparece em segundo lugar como o município  mais violento do nosso estado,visto que só no ano de 2013 foram 93 homicídios e em 2014 foram 100 assassinatos contra vítimas de 15 a 29 anos de idade. O relatório desse núcleo do governo estadual da Paraíba é algo assustador, pois ele demonstra a mais completa omissão do Estado brasileiro em levar segurança pública de qualidade, equipamentos de lazer e esporte, água encanada, saneamento básico e habitação digna para os moradores de bairros onde violência rima com falta de qualidade de vida e ausência de políticas públicas. Vejamos, assim, quais são os bairros onde ocorreram mais crimes violentos letais no  ano de 2014 em Campina Grande contra jovens de 15 e 29 anos de idade. São eles: Distrito de São José da Mata (7 mortes), José Pinheiro (6 mortes), bairro das Cidades (6 mortes), Monte Santo ( 5 mortes), Bodocongó (5 mortes), Malvinas (5 mortes),  Serrotão (4 mortes), Três Irmãs (4 mortes), Santa Rosa (4 mortes), Monte Castelo (4 mortes). Como podemos perceber, se quer o bairro da Liberdade onde será construído um belo parque e o Centro de Iniciação ao Esporte aparece entre os bairros com altos índices de crimes contra a pessoa humana.
            Ora, o bairro da Liberdade, para quem o conhece, é uma área muito valorizada no espaço urbano campinense, visto que ele fica bem próximo do centro de nossa cidade e ainda é dotado de uma ótima infraestrutura social e urbana, contando com várias escolas e creches públicas, quadra de esporte, farmácia popular, ruas pavimentadas e calçadas e  com uma rede de esgotamento sanitária bem estruturada em 99% de suas ruas. Em época de eleição municipal o que conta mesmo é  a densidade eleitoral do bairro e isso o bairro da liberdade por ser populoso sempre foi alvo prioritário das oligarquias locais. Assim sendo, posso dizer que a escolha desse bairro para receber uma ação social do Plano Juventude Viva foi eleitoreira dentro do projeto criminoso de poder do governo do PSDB. Enquanto tudo isso ocorre sob os olhos coniventes e omissos de uma certa militância do movimento negro campinense,  aquela mesma que se diz “séria e honesta”, mas que nunca prestou contas do I Encontro Estadual do Movimento Negro Paraibano, evento realizado no ano de 1998 sob a Coordenação de um integrante dessa mesma militância cooptada pela oligarquia Cunha Lima. A juventude negra morre diariamente nas periferias pela omissão do poder público municipal. Mas, todos nós aqui que fazemos militância de forma verdadeiramente séria, honesta e independente compreendemos o silêncio constrangedor dessa certa militância cooptada pelo grupo Cunha Lima. É que esses que dizem que são “sérios e honestos” no Movimento Negro de Campina Grande não podem desagradar ao seu patrão tucano, ocupando cargos no poder executivo e ainda fazendo do sangue da juventude negra moeda de troca para manter-se ao lado de quem oprime a população negra de nossa cidade.
          Com relação à implantação dos 10 PELCS em Campina Grande. É verdade que diversas matérias foram divulgadas em portais e site da própria Prefeitura dizendo que o Projeto de Esporte e Lazer na Cidade iria chegar em 7 bairros e nos três distritos daqui, priorizando sobretudo jovens e crianças em situação de risco social e vulnerabilidade. Até agora nada foi implantado nas periferias do nosso município e em nenhum distrito. Os PELCS fazem parte das ações do Plano Juventude Viva e são políticas públicas universalistas voltadas para o atendimento de crianças, idosos e jovens. Espero que dessa vez as periferias e territórios negros sejam contemplados por esse  eixo do Plano Juventude Viva.  Para tanto, vou ficar de olho na implantação dos PELCS e qualquer manobra desse governo tucano que desvie das diretrizes do Plano será de pronto publicizada e denunciada por mim junto aos movimentos negros e sociedade campinense.

         Enquanto Campina Grande não tem seu Plano Municipal de Enfrentamento à Violência Contra a Juventude Negra, a nossa cidade aparece vergonhosamente na quadragésima colocação como uma das cidades mais violentas do mundo, com uma taxa de 36, 04 homicídios para cada 100 mil habitantes, segundo a ONG mexicana Conselho Cidadão para a Segurança Pública e Justiça Penal. É claro que toda essa violência tem cor, território e idade em Campina Grande, visto que a maioria de suas vítimas são os jovens negros e pardos moradores de favelas, becos, vielas e periferias. Portanto, quando vejo que o Centro de Iniciação ao Esporte não vai beneficiar diretamente a nossa juventude negra moradora das periferias.  Podemos, diante do que foi exposto, afirmar  que o genocídio da juventude negra vai aumentar na nossa cidade por conta desse verdadeiro crime administrativo na gestão do Prefeito Romero Rodrigues do PSDB.  E aí cabe- nos fazer a seguinte pergunta: quem é que vai pagar por isso?"

         Autor: Jair Nguni- historiador e militante do Movimento Negro de Campina Grande\PB.

Um comentário:

  1. Parabéns Jair!!!! Excelente texto, advindo de sua militância no Movimento Negro de Campina Grande. Temos em nossas mãos uma reflexão de excelente qualidade, provido de argumentos sólidos, objetivos e claros, dada a propriedade com que trata o assunto. O que importa é conclamar a sociedade campinense e os políticos para cumprirem com o seu papel, no que se refere à garantia de vida à comunidade negra de Campina Grande, em razão de ter aumentado vertiginosamente o crescente número de genocídio da juventude negra em nossa cidade.

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